REGRESSO AO FUTURO DA ESCOLA: DOS ECRÃS AOS LIVROS – RECURSOS DIGITAIS SIM, MANUAIS DIGITAIS NÃO
O neurocientista Michel Desmurget, numa entrevista de 25/06/2023 ao El Mundo, afirmou "Os nativos digitais são um mito; o que fizemos aos nossos filhos em nome da voragem tecnológica é imperdoável. Dar aulas em ecrãs é o mesmo que os médicos administrarem heroína aos doentes. Estamos a criar crianças zombies por causa dos ecrãs. Estamos a ensiná-los não a pensar, mas a carregar em botões."
É imperioso desmontar a falácia em que assenta o atual modelo de ensino, é necessário contrariar o deslumbramento digital da tutela que se materializa através, por exemplo, da imposição da utilização de manuais digitais na sala de aula, aplicação de provas de aferição em formato digital, modelo que, previsivelmente, será alargado, em 2025, aos exames finais nacionais. Devemos, todos, adotar uma atitude sensata, batendo-nos por um equilíbrio entre o digital e o físico, que deverão, portanto, complementar-se. Importante é recentrar a discussão na educação que queremos, não nos dispositivos a utilizar. O modelo de educação, preconizado pela tutela, deverá deixar de olhar para o professor como um mero funcionário, um executor de tarefas, um burocrata, colocando-o no centro do processo de ensino e aprendizagem, assumindo o estatuto de professor pensador, o mestre da sala de aula.
Como sabemos, os manuais digitais apresentam desvantagens, em comparação com os manuais em papel, que impactam negativamente os alunos. Entre outros, destacam-se os seguintes malefícios:
Impacto ambiental - é logo uma das primeiras “vantagens” que são apontadas para se justificar a opção pelos manuais digitais, no entanto, esta é facilmente desconstruída. Os manuais digitais requerem um aparelho eletrónico, tablet ou computador, que traz logo desequilíbrio ao meio ambiente, seja na sua produção, uma vez que são necessários recursos naturais não renováveis, compostos químicos e libertação de gases poluentes, seja no seu descarte que, se for incorreto, devido aos metais pesados (como o chumbo, o mercúrio e o berílio), gera problemas a nível da contaminação das águas subterrâneas, cadeia alimentar, fauna e flora.
É verdade que os livros físicos também implicam o abatimento de árvores, levando à desflorestação que, por sua vez, leva a outra grande lista de impactos ambientais. Tendo isso em conta, sugere-se a “economia circular”, como se tem feito desde há alguns anos a esta parte: os alunos usam os manuais e, quando já não precisam deles, estes passam para outros alunos (esta solução também resolve o problema do dinheiro despendido anualmente em manuais físicos).
Implicações na saúde humana - o uso de manuais digitais aumenta os problemas físicos e cognitivos nas crianças, principalmente no que respeita a doenças oftalmológicas. Nos EUA, foram adotados manuais digitais há 9 anos, porém, este projeto tem sido abandonado pelo facto de as doenças oftalmológicas terem aumentado em 30%. Ler em dispositivos digitais por longos períodos pode causar fadiga visual, dores de cabeça e tensão muscular. Isso pode ser especialmente problemático para estudantes que passam várias horas por dia a usar exclusivamente dispositivos digitais.
Dificuldade de personalizar e fazer apontamentos - uma das melhores formas de fazer um estudo ativo é fazer anotações quando se está a aprender a matéria. Este método torna-se bastante mais difícil quando os alunos o têm de fazer de forma digital.
É certo que as plataformas oferecem ferramentas para tentar substituir o lápis: podem sublinhar, desenhar e fazer caixas de texto, mas estas ferramentas são bastante difíceis de manusear, demoram mais tempo a usá-las e não fica tão bem organizado como no papel. No caso da disciplina de Matemática, por exemplo, verifica-se que não é prático quando é necessário traçar linhas paralelas ou perpendiculares numa figura com o rato do computador. Muitos alunos consideram que é mais fácil fazer anotações, sublinhar e marcar partes importantes do texto em manuais em papel. Estas atividades físicas ajudam na compreensão e retenção de informação.
Distrações - os dispositivos digitais oferecem muitas distrações, como redes sociais, jogos e outras aplicações. Os alunos acabam por desviar o foco dos manuais para outras atividades não relacionadas com a escola, prejudicando o seu desempenho académico.
Peso nas mochilas - ao contrário do que se diz, não é o computador fornecido pela escola que vai aliviar o peso da mochila. Parece equivaler a dois ou três manuais, não tendo uma diferença notória para quem o carrega.
A tecnologia traz muitas possibilidades de aquisição de informação que a sociedade, em geral, deve abraçar e a escola, em particular, deve saber gerir pelo facto de os recursos digitais e as ferramentas educativas digitais serem já um hábito na prática letiva e no processo de aprendizagem nas escolas. Não obstante, um Manual Digital vem destabilizar a concentração necessária que cada aluno necessita para refletir sobre a informação recebida e a partir daí produzir conhecimento. Destaca-se também o facto de não promover a autonomia, a maturidade, bem como o espírito crítico dos alunos no desenvolvimento do trabalho individual. Importa salientar que são os próprios alunos a preferir a utilização dos manuais físicos, tendo inclusive, alguns deles adquirido o manual em papel.
Acresce, ainda, a existência de estudos internacionais que alertam para os malefícios do exagero de horas de ecrã em qualquer faixa etária e, sobretudo, durante a infância e a adolescência, vejamos os mais recentes exemplos:
Suécia – Após 15 anos a ensinar os alunos a tomarem notas em computadores e tablets em vez de escreverem em cadernos, a Suécia está a planear pôr de lado estes equipamentos nas escolas e regressar ao ensino baseado nos livros. O motivo é a diminuição das competências de leitura e escrita. Com o tempo, as competências de literacia dos alunos diminuíram. A dependência da informação pronta aumentou e a vontade de investigar diminuiu. A capacidade de expressão das crianças enfraqueceu.
A Ministra da Educação e a Ministra da Cultura anunciaram, por conseguinte, planos para regressar ao ensino baseado nos livros. O plano da Suécia é dizer adeus aos quadros digitais, ecrãs e dispositivos eletrónicos e regressar às ferramentas tradicionais de ensino.
Países Baixos - A partir de 1 de janeiro de 2024, os alunos dos Países Baixos vão deixar de poder levar telemóveis, tablets e smartwatches para as escolas, em todo o país. A medida, anunciada pelo ministro da Educação neerlandês, tem como objetivo "proteger os alunos" das distrações associadas aos dispositivos eletrónicos. "Os alunos têm de ser capazes de se concentrar e precisam que lhes seja dada uma oportunidade para estudar da forma correta. Os estudos mostram que os telemóveis são uma distração. Precisamos de proteger os alunos contra isto". O ministro defende que, por muito que estes dispositivos já estejam enraizados no quotidiano, "não pertencem às salas de aulas".
A introdução de ecrãs na sala de aula não é nova: tem várias décadas, com graus distintos de implementação em vários países. Na Europa, os países nórdicos foram os primeiros a adotar estas visões do futuro, procurando uma elevada literacia tecnológica desde o ensino pré-primário ao secundário. Em Portugal, este processo foi popularizado em 2008 com a introdução do computador portátil Magalhães. Este ficou mais conhecido pelos perniciosos interesses económicos e burocráticos em torno da sua produção e distribuição do que do seu possível mérito educacional. Em 2018, a EU iniciou o Plano de Ação para a Educação Digital, atualizado durante a pandemia. Este está na base das orientações do Governo para a transição digital, através de uma série de iniciativas, tais como o Portugal Digital ou a Capacitação Digital das Escolas.
Invariavelmente, o foco principal destas iniciativas está na aceleração da criação de infraestruturas, na instalação e acesso a equipamentos, não na construção de uma visão da educação em Portugal.
Numa altura em que escolas espalhadas pelo país adotam orientações em direção à transição digital, sem uma rigorosa base científica que valide as medidas tomadas, é fundamental que a discussão pública se centre em que educação queremos construir, não em que ferramentas ou dispositivos os alunos e professores têm de utilizar.
O país e, em particular, o Ministério da Educação têm uma rara oportunidade de transformar o atraso em virtude, colocando toda a atenção no desenvolvimento de uma melhor educação, em vez de se focarem em ferramentas e orientações com interesses que posicionam os alunos em último lugar. Tal abordagem permitirá a utilização cirúrgica da digitalização nas escolas, cujo uso produza resultados cientificamente comprovados que ultrapassem os de outras ferramentas. Se todos nós não aproveitarmos esta última chamada para regressarmos ao futuro, teremos comprometido uma geração de alunos e cidadãos, presos a um passado retrógrado que lhes foi imposto como inovação.
Pelo exposto, o Conselho Geral, órgão de direção estratégica responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola, que assegura a participação e representação da comunidade educativa, nos termos e para os efeitos previstos na alínea o), do ponto 1, do artigo 13.º, do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, na sua redação atual, deliberou aprovar, por unanimidade, a tomada de posição acima exposta, recomendando o retorno aos Manuais em formato de papel em todos os níveis de ensino. O mesmo deverá acontecer com as provas de aferição e exames finais nacionais.
Rio Maior, 19 de julho de 2023
O presidente do Conselho Geral
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Luciano Pereira Amado Vitorino
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