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Periodicidade: Diária

11/1/2024

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A FEIRA DAS CEBOLAS EM 1956


Por João Maurício

A História de Rio Maior confunde-se com a Feira das Cebolas. Toda aquela saudável ruralidade foi esmagada pelo progresso, por uma nova maneira de viver. Era impossível que assim não fosse!

No Museu de S. João da Ribeira é possível encontrar alguns objetos agrícolas desse passado cada vez mais longínquo que até parece uma miragem. Toda a ambiência do princípio de setembro diluiu-se na poeira do tempo. São memórias, detalhes, cores, cheiros que desapareceram..

Lembro-me, por exemplo, do “chiar” dos carros de bois que traziam os camponeses da região Oeste para a feira. Um som ritmado, melancólico que simbolizava a própria vida.

Não muito longe, no Museu de Porto de Mós, encontrámos um amplo quadro da ruralidade dessas épocas, do tempo das gerações que por lá passaram. Aí, se encontram. objetos raros que estavam presentes nas fainas agrícolas de outros tempos.

Não existe, infelizmente, entre nós, um museu municipal, onde deveria estar reproduzida a ambiência da antiga Feira das Cebolas e a história do Concelho. Rio Maior é dos poucos municípios da nossa região que não tem um museu municipal, ao contrário de Óbidos, Bombarral, Cartaxo, Cadaval, Leiria, Batalha, só para citar alguns casos.

A feira era o ponto de encontro dos pequenos lavradores oestinos e ribatejanos. Vivia-se num tempo em que não havia supermercados, mas, apenas, diminutas mercearias. Era nas feiras que as pessoas se abasteciam. Os agricultores trabalhavam o ano inteiro e nessa altura “tinham direito a três dias de férias”. Os mais abonados voltavam a encontrar-se, alguns dias depois, na velha praça do Sítio da Nazaré, para assistirem à tourada. A feira de Rio Maior tinha fama de ser um tempo de alegria. Compravam-se as alfaias agrícolas que faltavam, uma navalha ao cutileiro de Santa Catarina, umas botas de elástico aos sapateiros da Benedita. Ao cauteleiro adquiria-se uma lotaria das vindimas que se aproximavam. Comprava-se, também, o sal para “a salga” das carnes para usar na matança do porco, o que ia acontecer com o aproximar do Natal. Adquiria-se, ainda, uma gravata para o casamento dos filhos. Os vendedores das mesmas eram figuras típicas que percorriam a feira, transportando num tabuleiro o produto, que era preso por fitas largas que passavam por detrás do pescoço.

Com o pouco dinheiro que restava adquiriam um barril para o vinho e um cabo de cebolas.

Viam-se os aguadeiros que vendiam água copo a copo. As ciganas liam a sina e ia-se ao Circo Mariano. O Poço da Morte era, também, uma atração, e jogava-se às setas.

Dormia-se a céu aberto e havia contentamento no ar.

Na Feira das Cebolas de 1956, um cego vendia folhetos sobre um crime acontecido, pouco tempo antes, (29 de julho) no vizinho concelho das Caldas da Rainha.

Vivia-se num tempo de muita pobreza, de estratificação social. Cegos e aleijados vendiam essas histórias dramáticas. Não se falava de deficiência., Era, assim, porque Deus quis, diziam os mais velhos, com a resignação estampada no rosto.



Transmitir informação, através dos folhetos, era uma forma de sobreviver e de passar as notícias, ainda que de forma rudimentar. A televisão dava os primeiros passos e, por isso, inacessível à maioria das pessoas.

Não é possível ver a realidade social de 1956, aos olhos de hoje.

Viviam-se ainda, os restos da crise económica causada pela Segunda Guerra Mundial, e as pessoas tinham uma grande noção da poupança.

A triste história que, aqui, reproduzo foi noticiada no extinto jornal ”O Século”. Numa época em que comprar um jornal era um luxo, os folhetos vendidos nas feiras substituíam a comunicação social que, hoje, alguma dela, é especializada em ampliar as tragédias.

Eis o extrato desse relato:

Junto às Caldas da Rainha / No lugar da Espinheira, / Um tresloucado atrevido / Matou cinco e um ferido / Com a espingarda caçadeira. / O nome da freguesia / Onde se deu a avaria / Foi em Serra do Bouro.

Foi Elias / Que depois da mulher morta / Ainda foi com desaforo / Com a mesma caçadeira / Foi encontrar numa eira / O seu primo a trabalhar ./ Foi morto o Anacleto / E vai para a casa perto / Maria matar. /

.Depois dos crimes perfeitos / Andou 50 metros / Foi a uma barbearia / Para matar o sobrinho Joaquim. / Com a mesma pontaria / Francisco também foi assassinado / Por esse homem cruel. / E esse traidor mata o cunhado: José: Que horror! /. As três vítimas são família, / Foi devido a partilhas / De umas propriedades.

O Elias tresloucou / Cinco pessoas matou / Que forte barbaridade. / A morte da sua esposa / Foi outra coisa horrorosa. / Outro crime tão cruel / Ele a todos dizia e há muito / Que ela lhe era infiel.

Nota final – embora já tenham passado sessenta e sete anos, omitimos os apelidos dos envolvidos, por respeito para com os familiares.

A Feira das Cebolas era o espelho da sociedade da região onde estava inserida: a alegria e os dramas das suas gentes.

As feiras, esta em particular, refletiam, sempre, as realidades sociais locais. Talvez este texto ajude a compreender, embora modestamente, a realidade de Rio Maior em 1956.



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