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Periodicidade: Diária

12/22/2024

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AVEIRO – 1970


Por João Maurício

Nunca me esqueço dos três meses vividos em Aveiro!

A brisa marinha que amenizava as tardes ainda um pouco quentes, a neblina matinal, os dourados fins do dia. Marcou-me aquele tempo dos meus vinte anos, aquela gente simples que tem um falar único. A Costa Nova, São Bernardo, Esgueira, Ílhavo, Torreira, Gafanha da Nazaré e o rio Vouga, passavam a ser nomes, para mim, familiares.

Nesse ano de 1970, a luz, na ria, tinha uma claridade carinhosa, difícil de explicar. As cores da natureza eram ténues. Nos arredores da cidade, já eram poucos os carros de bois, mas a ruralidade era, ainda, enorme e o campo quase entrava pela Veneza Portuguesa dentro.

Fiquei seduzido por esta região de gente humilde e boa. Um local excelente para os contemplativos.

As mulheres eram muito trabalhadoras e vestiam de escuro e era vê-las, mesmo às portas do centro urbano, nos trabalhos do campo. As salinas estavam em plena laboração e os moliceiros com proas coloridas, verdadeiro ex-libris da ria, rapavam os seus fundos verdes e chegavam ao coração da cidade, perto da sede d’Os Galitos.

Lembro-me dos desenhos das proas de cores variadas, brejeiros e jocosos; dos azulejos das casas mais antigas com fachadas, únicas, onde batia um sol diferente, próprio do equinócio que chegava; dos ovos moles, doce conventual, cujas origens remontam ao século XVI, servidos em barricas de madeira, vendidos nas pastelarias de balcões antigos.



Era Aveiro das casas de telhas de canudo, artesanais, que resistiam `a produção industrial da telha “Marselha”. Aveiro da cerâmica tão caraterística que venceu o tempo. Proliferavam as bicicletas que invadiam ruas, avenidas, ruelas e praças, fenómeno típico da beira litoral por ser terreno plano.

A cidade tinha uma tranquilidade rara. Havia já nessa altura, uma pequena elite conservadora, mas, ao mesmo tempo, avançada, que parava pelos cafés do centro urbano e cujos nomes se apagaram da minha memória. Aí, algumas senhoras, vestidas com elegância, davam um ar distinto a esses espaços e, entre chás e torradas, iam falando das trivialidades do quotidiano.

Nas salinas, até o sal era diferente e formava verdadeiros tabuleiros de cristal. Nesse tempo, a ria dava em abundância enguias e robalos, ameijoas e berbigão. A luz dos Canais, nomeadamente o de S. Roque, era distinta. Habitat natural das aves, como os maçaricos, os alfaiates, a região era um verdadeiro paraíso. Passar por lá, era uma alucinante viagem dos sentidos. Nunca se apaga da minha memória S. Jacinto – fina língua de areia branca. E, quando a noite regressava ao quartel, ali para os lados do velhinho Estádio Mário Duarte, não poucas vezes, dava comigo a pensar: que a cidade tinha uma personalidade própria.

A universidade estava quase a chegar. A cidade iria moldar a futuro, mas já tinha um compromisso com o mesmo.

Mal sabia eu que, por razões de ordem familiar, iria ficar ligado à região. Uma vez por outra, volto lá.

O quartel, de paredes gastas, ainda lá está; a luz ao fim da tarde é igual, mas a Avenida Lourenço Peixinho é diferente, porque as pessoas são outras, as montras já não são as mesmas de outrora, o ambiente é mais citadino. O povo e as elites locais transformaram essa terra. Ainda bem, já que essa é a ordem natural do mundo.

Uma terra liberal, católica e conservadora, mas que colocou, sempre, um olhar para a frente. Nada passadista nem retrógrada.

Foi lá que, em 1973, se realizou o Congresso da Oposição Democrática, com a cumplicidade do governador civil, Vale Guimarães, um marcelista com o espírito aberto. Foi aí, que correntes políticas diversas se uniram para derrubar a ditadura. Hoje, a cidade abriu-se muito ao mundo e o turismo prolifera.

Passou mais de meio século. A terra cresceu. A verdade é que, mesmo assim, Aveiro tem, ainda, um encanto especial. Já não é uma terra pequena, mas também, não é uma urbe impessoal, mas antes uma cidade aconchegada, rumo ao progresso.

Alguns, por excesso bairrismo, escrevem que as terras aveirenses pertencem à mais bela das regiões de Portugal. Não direi tanto, mas que a cidade tem carisma, isso é inegável!


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