MAIS UM ANO LETIVO!
Por João Maurício
São longínquas as minhas memórias da escola dos finais dos anos cinquenta do século passado. Recordo-me da minha professora da escola primária que me ensinou a ler e a escrever e quem foi Afonso Henriques.
Natural de Aveiro, a Dona Odete, solteira, já tinha meio século de vida. Era uma pessoa doce e com a chamada paciência de Job. Fui fazer o exame da quarta classe à sede de Concelho, viagem importante na época. Depois do exame do 2º ano, no antigo anexo do Liceu Rodrigues Lobo, em Leiria, que a Guerra do Ultramar/Colonial transformou em Distrito do Recrutamento Militar e Mobilização. Foi casa de frades até à extinção das ordens religiosas, em 1834.
Já como docente, foi “o andar com a casa às costas” por esse país fora. Essa roda viva trouxe-me uma perspetiva diferente da vida. Todos sabemos que Portugal é um país pequeno, mas cada região tem caraterísticas próprias.
Passaram cinquenta anos. O poeta diz-nos que “o mundo pula e avança”. Às vezes é assim, outras vezes não. Passado um espaço temporal tão grande, uma vida, os problemas continuam. Surgem de todo o lado. A instabilidade profissional do corpo docente está como há meio século. Os vencimentos exíguos dos docentes fazem-me lembrar o meu primeiro ordenado, bem curto! Ainda recebíamos em cheque. Fui logo depositá-lo na agência de Tomar do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, que ficava na chamada Corredoura, uma via central da cidade.
Desde Maria de Lurdes Rodrigues, o Ministério da Educação tem sido mal governado, com políticas de zigue-zague que, apenas, enrolam. Até Veiga Simão, governante marcelista, teria feito muito melhor.
Tenho saudades dos grandes ministros, verdadeiros estadistas, visionários, como foi o caso de Marçal Grilo e Roberto Carneiro.
Ainda sou do tempo em que os concursos de professores eram feitos de forma artesanal. E eu falo com conhecimento de causa, pois assisti ao vivo a essa realidade.
Agora, com tanta informática, é o que se vê. No dia 4 de setembro, havia quase mil e quatrocentos horários de professores por preencher. A culpa não será da informática, mas que é estranho, lá isso é!
O meu tempo era a época dos professores provisórios, um pelotão que tão maltratado foi. Fomos filhos do ensino livresco, nos tempos distantes da “outra senhora”. Na minha geração, a vida era dura, mesmo nas aulas.
Lembro-me, ao acaso, do Padre Adelino, na época pároco de Pataias, austero professor de Moral, em Alcobaça, que “me pôs na rua” por ter deixado cair um lápis que me escapou das mãos. Disciplina irracional!
De súbito, passou-se de um extremo a outro. Durante o PREC, em 1975, houve uma explosão de falta de bom senso. Após a revolução, lançaram-se experiências pedagógicas, cujos resultados foram catastróficos. O ensino chegou a estar em “roda livre”. Cheguei a ver escrito, num sumário da disciplina de História (2º ciclo), “Catarina Eufémia, Heroína Nacional”. Vivia-se numa utopia!
Trabalhei em escolas com lama nos recreios, salas pré-fabricadas, sem refeitório, nem biblioteca, sem bar e sem recintos cobertos para a prática desportiva, salas que funcionavam em sótãos, sem o chamado “pé direito”. Os dinheiros comunitários fizeram ultrapassar esta triste realidade. Sou, ainda, do tempo em que poucos chegavam ao ensino superior. Os governos de Mário Soares pacificaram a vida nas escolas.
A verdade é que estamos, agora, numa época de retrocesso educativo. Pelo menos, é o que dizem os entendidos na matéria, mesmo os que não estão ligados às máquinas partidárias. Como avô, preocupa-me o estado a que chegámos. Adorava estar enganado, mas parece-me que os próximos anos não vão trazer nada de novo, para melhor, na área educativa.
“100 mil alunos com, pelo menos, um docente em falta”. Era a nota de rodapé das televisões, a 8 de setembro.
Numa altura em que os avançados países nórdicos, nomeadamente a Suécia, apostam no regresso aos livros escolares em papel, há responsáveis nossos que caminham em sentido diferente. Há quem defenda o fim dos manuais em papel, como se essa opção constituísse um milagre para a educação. Estudos científicos dizem-nos que muitos dos jovens quase que só consomem digital, têm um léxico mais que pobre e revelam mais dificuldade em redigir, por falta de vocabulário.
Daqui a uns anos, temos de “arrepiar caminho” e teremos de corrigir a rota. Vivemos, há muito, uma espécie de “experimentalismo”.
Estão a sair do ensino “fornadas” de professores, ou por aposentação ou por opção, desiludidos com a atual situação. Serão mais 34 mil até 2030. A debandada é a dos mais experientes. Há professores com sessenta e mais anos de idade, e com quarenta anos de serviço a entrarem, agora, nos quadros de escola. Para colmatar esta situação, vai o poder recorrer aos professores provisórios, como há meio século atrás.
Diz o insuspeito jornal “Expresso” (edição de 8 de setembro de 2023, página 2) que «estamos perante um nó gigante por resolver».
O Ministro da Educação e o respetivo Secretário de Estado foram professores do ensino secundário (até há poucos anos). Como é possível que não entendam o que se passa nas escolas?
O social democrata David Justino publicou, há anos, a obra “Difícil é Educá-los”. Infelizmente, não é possível estar mais de acordo com o autor que nos diz que é urgente refletir sobre o futuro da educação. Ora, isto foi escrito em 2010.
Urge, por isso, ir por esse caminho. Ontem já era tarde!
António Barreto, na edição do jornal Público ( 10 de setembro de 2023, página 3), escreve sobre “miséria pedagógica”, “permanente desaire escolar”, e “constante desatino”. Uma crítica demolidora.
Barreto terá ido demasiado longe, mas a verdade é que no setor educativo há caminhos tortuosos.
Toda a gente sabia que a partir de 2020, iria haver muita falta de professores. Não se fez nada para alterar a situação. Os responsáveis ficaram a assistir, sentados, a ver “o comboio passar”.
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