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Periodicidade: Diária

12/22/2024

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O NATAL NUM PACOTE DE AÇÚCAR




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Por João Maurício

Já não me recordo quando é que apareceram os pequenos pacotes de açúcar.

Lembro-me, contudo, que o famoso (na época) Café Trindade, (Alcobaça), perto do Mosteiro, tinha um açucareiro em cada mesa. Para a chamada elite alcobacense da altura, era uma espécie de ritual misturar o açúcar no café.

Hoje, o pacote de açúcar é algo mais do que banal e, por isso, não lhe atribuímos a menor importância. Mas a verdade é que até existe o Clube Português de Colecionadores de Pacotes de Açúcar, uma associação que, dizem-me, tem quase 500 associados, por esse país fora.

Neste fervilhar da vida corriqueira, mas dita moderna, nesta banalidade existencial que são muitos dos gestos diários, não reparamos na beleza, cor, design e mensagens dos pacotes de açúcar. Neles está, também, o espelho das alterações sociais, gostos e vivências do dia a dia. Lidamos com eles todos os dias e não reparamos que eles olham para nós com os seus desenhos coloridos, datas curiosas, comemorações, informações sobre a saúde. Nunca os guardei. Talvez, porque lá no fundo, parecem ser pedaços de papel banais.

Recordo alguns que me ficaram na memória e que por isso, o tempo não apagou. É o caso da coleção de aeronaves, a do Casino da Figueira da Foz, dos que aparecem ciclicamente pelo Natal, com as mensagens de Boas Festas cheias de cor. Os pobres pacotes de açúcar são discretos: aparecem e desaparecem, sendo substituídos por outros.

Os da Expo 98 eram muito coloridos. Ficou famosa a coleção sobre Fernando Pessoa com os versos e frases do poeta. Já passou tanto tempo, mas recordo-me bem de um onde estava escrito “As maiores distâncias que devemos percorrer estão dentro de nós”. Palavras sábias! E o que dizer de uma famosa coleção das Modalidades Olímpicas?

Falar de pacotes de açúcar é recordar as marcas de café. Se calhar, algumas já terão desaparecido, mas todas elas tinham pacotes lindíssimos:

Buondi, Café Cubano, Nicola, Delta, Chave d’Ouro, Flor do Minho, Sical, Portela, Tofa, Beira Douro, A Baiana, A Caboverdiana, A Cafeeira, Café Christina, Cafés Amboim e muitas mais.



Um dia destes, algures na região Oeste, rasguei um pacote para colocar o seu conteúdo no meu café. Só depois, reparei na originalidade do mesmo. Era de um verde escuro com letras douradas. De um lado dizia:  “Eu não gosto de dar, eu gosto de distribuir”- Rui Nabeiro. E mais abaixo, alguns pequenos desenhos estilizados sobre a quadra natalícia e as palavras clássicas “Boas Festas”. Do outro lado, um emblema, relíquia doutros tempos- “Camelo Cafés- 1937”. E um pouco mais abaixo, os dizeres “Este Natal honramos a memória do nosso fundador para lembrar que esta é uma época de amor e dee ter sempre presente o seque nunca esqueceremos”. Aquela frase é um verdadeiro livro, uma enciclopédia. Bonita, acrescentamos nós. Neste mundo cruel, ultra materialista e cinzento, fica bem terem-se lembrado do fundador da marca.

Até num simples pacote de açúcar se pode fazer justiça. A qualidade e profundidade dos gestos está nas pequenas coisas, nos pequenos detalhes, mesmo no que é aparentemente banal, como é o caso referido.

Acresce que o autor é anónimo, não quis colocar-se em bicos de pés. E assim, o Natal pode renascer, de facto, num singelo pacote de açúcar.

Esta simples e modesta frase é um retorno à ingenuidade e graciosidade de elogiar alguém que já partiu e espalhou o bem.

Vivemos numa sociedade onde a cada momento se matam as palavras, ditas, tantas vezes, na plenitude da agressividade. Por isso, as exceções devem ser valorizadas.

O tempo não pára. A vida corre e o que é passado, geralmente, fica no baú do esquecimento. Não foi o caso. Aquelas palavras são “como cristal”, como escreveu Eugénio de Andrade. E adquirem mais significado por aparecerem no Natal.

Nota final – Rui Nabeiro, numa entrevista ao Expresso (2016), disse que Campo Maior, nos tempos da sua juventude, era uma terra muito pobre como qualquer terra do Alentejo.



 

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