O POLYCARPO DE RIO MAIOR E AS CUTELARIAS DO OESTE
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Por João Maurício
O relatório da Exposição Industrial de 1849 realizada em Lisboa, diz-nos que o Sr. António Polycarpo, com Fábrica de Cutelaria na Travessa de S. Nicolau, nº 46 (Lisboa) expôs “uma caixa com 27 instrumentos de cirurgia própria para amputação”.
De facto, Polycarpo era um inovador. Criou instrumentos cirúrgicos para operação às cataratas, artigos para dentistas, facas de trinchar (para cortar e fatiar carne), navalhas de barba, canivetes, tesouras de alfaiate, instrumentos para operações ao útero e, até, material de escritório, nomeadamente tesouras e abre cartas.
Inventou, ainda, peças de cutelarias dedicadas às áreas de veterinária e de jardinagem.
Foi, por isso, condecorado pelo Rei D. Pedro V. António Polycarpo combateu na chamada Guerra Peninsular. Fundou a Casa Polycarpo, que ainda hoje existe na Baixa de Lisboa, conhecida pela qualidade dos produtos. Recebeu uma menção honrosa na Exposição de Londres de 1851.
António e o seu irmão Joaquim Polycarpo nasceram na freguesia da Benedita. Ainda muito novos, foram para Lisboa, onde frequentaram a Fábrica Real de Cutelarias, criada pelo Marquês de Pombal, o qual foi a França buscar mestres na área, para lecionarem os seus conhecimentos.
Após o serviço militar, António ficou em Lisboa e o seu irmão Joaquim fixou-se na Mata de Baixo, já então, pertencente ao concelho de Rio Maior. Este instalou, aí, uma oficina de cutelarias artesanais. Fazia, por exemplo, enxadas, facas, canivetes de enxertia e navalhas “cabriteira”, usadas pelos pastores para cortarem o pão. Nessa época, os cabos das facas eram de chifres dos animais. Joaquim era um mestre a trabalhar o fogo na forja e não quis o seu saber só para si. Criou uma espécie de ”escola” e ensinou os segredos da profissão a muitos aprendizes que, depois se estabeleceram por conta própria nas redondezas. O período de formação levava cinco anos. É que um navalheiro tem de ter dois atributos: persistência e habilidade. Começaram a proliferar pequenas oficinas na Benedita, Santa Catarina e Alvorninha. Já nos finais do século XIX, o estudioso Manuel Vieira Natividade se refere à importância do setor.
Já no século XX, três famílias passam a ser conhecidas pelas cutelarias que fabricam na nossa região: Ivos, Jorges e Serralheiros. Conquistaram os mercados a sul do Tejo até ao Algarve. Palmilharam estradas, fizeram feiras, inicialmente em carros de tração animal, depois de bicicleta e, a partir dos anos quarenta do século passado, em veículos a motor. O grande passo em frente é dado pela ICEL (Indústria de Cutelarias da Estremadura), que ganha o concurso para fornecer facas de mato para o Exército Português, no início da Guerra Colonial.
Hoje, existem, nas freguesias da Benedita e Santa Catarina, meia dúzia de fábricas já com tecnologia avançada que fornecem cutelarias para o mundo inteiro.
Há, contudo, um ou outro caso de cutileiros artesanais que mantêm a velha tradição, fabricando facas de grande qualidade para a “alta cozinha”.
O que não podemos esquecer é que tudo começou com Joaquim Polycarpo que começou, há duzentos anos, com a sua oficina de cutelaria na Mata de Baixo (Rio Maior).
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