RIO MAIOR E A ESTRADA D. MARIA I
Por João Maurício
III (Conclusão)
D. Maria I enlouqueceu e, por isso, teve de se afastar do poder, em 1792. Sucedeu ao seu pai, o rei D. José que teve, como primeiro-ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, o qual deixou uma obra notável no desenvolvimento económico de Portugal. Foi uma personalidade muito inteligente. Tinha, contudo, uma caraterística terrível: era extremamente vingativo e foi, sem dúvida, um tirano. Esse facto perturbou muito a futura rainha. O Marquês de Pombal não soube, ou não quis, criar uma nova rede de estradas.
Dona Maria, nesse campo, foi uma inovadora. Rio Maior ficou a dever-lhe a construção desta importante via de circulação que “abriu a terra ao mundo”. De facto, a rainha teve o mérito de definir a primeira política de transportes, em Portugal. Foi a monarca que decidiu abandonar o traçado da via que ligava Lisboa a Coimbra e passava por Santarém e Golegã, intransitável no inverno devido às inundações do Tejo nos campos circundantes.
A história da Casa da Muda do Alto da Serra, os nossos leitores, por certo, já a conhecem. Não tem sido fácil encontrar detalhes sobre o tema, devido à pouca documentação existente.
Luís Pinto de Sousa Coutinho (1735-1804) estudou em Londres as questões geodésicas. Juntamente com Francisco António Ciera e os militares Carlos Frederico Bernardo de Caula (1766-1835) e Pedro Sousa Folques, ajudaram a elaborar o mapa topográfico da região entre Leiria e Rio Maior, fundamental para a escolha do traçado da estrada. Realizaram um trabalho notável: levantamento minucioso dos lugares, caminhos, quintas, linhas de água, cultura agrícola, etc.
Aí, são definidos os limites dos termos de Leiria, Batalha, Porto de Mós e Santarém, (a que Rio Maior pertencia na época) e os Coutos de Alcobaça, administrados pela Ordem de Cister.
Na implementação desta estrutura rodoviária, tiveram um papel importante o ministro José de Seabra e Silva (figura ligada a Rio Maior) e o desembargador José Diogo Mascarenhas. Como nota diremos que o mapa é extenso – tem 2 metros e 38 centímetros.
No trajeto, havia a estalagem dos Carvalhos (Pedreiras-Porto de Mós), como ponto de apoio, fornecendo alimentação e dormida para os viajantes e, também, para os cavalos. Esta estalagem ficou conhecida por, no auge do seu funcionamento, ter um serviço com alguma qualidade, algo raro na época.
Esteve projetada uma dessas estruturas para o lugar dos Candeeiros (atual freguesia da Benedita), facto que não chegou a acontecer. Esse projeto tinha a ver com o facto de aí existir um poço de água potável que servia para dar de beber aos viajantes e aos animais.
Documentos antigos referem que, no sopé oeste da Serra dos Candeeiros, a água era escassa. Já depois da Malaposta ter terminado, a via continuou a ser muito usada e esse facto fez aparecer várias vendas (tabernas), como foi o caso da taberna do Vintém e a da Rega, também na atual freguesia da Benedita e a da Laranja, perto dos Moleanos.
A 6 de setembro de 1786, foi publicada a “Instrução para o estabelecimento das diligências entre Lisboa e Coimbra”, a qual regulamentava o funcionamento da Malaposta.
A 17 de setembro de 1798, foi inaugurado esse serviço. A maioria dos passageiros eram estudantes que, vindos do sul, frequentavam a Universidade de Coimbra.
O desvio da estrada real para as Caldas da Rainha fez com que a moderna Estalagem dos Carvalhos fosse desativada.
Durante as invasões francesas, a mesma foi incendiada e entrou em ruínas. Conserva, contudo, ainda hoje, a frontaria e o respetivo portão. A viagem entre Lisboa e Coimbra (pelo Alto da Serra) realizava-se às segundas, quartas e sextas feiras. As diligências partiam, em simultâneo, das duas cidades, às cinco horas da manhã e encontravam-se a meio do percurso, na Estalagem dos Carvalhos, onde os viajantes ceavam e dormiam.
Retomavam a viagem às cinco da manhã do dia seguinte e chegavam a Lisboa ou Coimbra, às nove horas da noite. As estações de Muda eram identificadas com os símbolos das armas reais.
A Malaposta deixou de passar no Alto da Serra, em 1804, por razões de rentabilidade financeira. O preço da viagem era elevado e, por isso, tinha poucos passageiros.
Eça de Queirós, na obra “Os Maias”, escreve “O Vilaça, então, lembrou os desastres da mala-posta. No de Alcobaça, quando tudo se virou, ficaram esmagadas as duas irmãs de caridade”. Também, Trindade Coelho, na obra In Illo Tempore, refere-se ao uso deste transporte pelos estudantes de Coimbra.
Nota final – a crónica vai longa e, por isso, urge terminar. Ficou, todavia, muito por contar.
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