RIO MAIOR E A ORQUESTRA TÍPICA DE ALCOBAÇA
Falar da Orquestra Típica de Rio Maior sem referir a figura do maestro António Gavino é impossível. António Máximo Gavino Simões do Couto nasceu em 1923. Sendo assim, se fosse vivo, faria no próximo ano um século de vida.
Fundou e dirigiu as Orquestras: Típica Scalabitana, da Rádio Club de Moçambique, de Alcobaça e de Rio Maior. Além de outras composições, criou a Marcha Ribatejana. Recebeu várias homenagens, nomeadamente a de Scalabitano Ilustre, concedida pela Câmara Municipal de Santarém. Faleceu em 2005. Vai para muitos anos que fui à Azinhaga (no coração do Ribatejo), onde residia, acompanhado por Adélio Maranhão, funcionário do Tribunal de Rio Maior. Ambos colaborámos no jornal Região de Rio Maior. A razão da viagem foi entrevistar o maestro. Era uma casa antiga, austera, no estilo dos lavradores ribatejanos.
Valorizava-se em demasia, as caraterísticas do feitio de António Gavino. Tinha fama de austero e duro. A verdade é que o maestro era muito mais do que isso: um criador musical com uma qualidade rara e muito exigente. Quando o entrevistei, vi um homem muito inteligente, conservador, com um discurso fluído que falava do essencial e não havia futilidades. Foi de uma educação, simplicidade e simpatia sem limites.
Toda esta prosa vem a propósito do facto de, em 2020, ter aparecido o livro “A Orquestra Típica e Coral de Alcobaça e o seu Tempo”. O autor teve a simpatia de me oferecer um exemplar. Trata- do Dr. Fleming de Oliveira, natural do Porto, antigo deputado do PSD, na Assembleia da República e advogado durante uma vida, em Alcobaça. O livro lançado por uma editora de Leiria tem um grande mérito: muita informação. Outra das virtudes é o facto de ter registado depoimentos de pessoas que viveram essas realidades. Daqui a uma dúzia de anos, pela ordem natural da vida já não seria possível fazer o registo desses depoimentos. Apenas um reparo: o volume de informação é tanto que, por vezes, na minha opinião, o texto é menos claro.
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Vamos, então, após este preâmbulo, ao que, aqui, me trouxe e que justifica o título deste artigo. Direi que muitos dos nomes que vão ser citados são de pessoas que conheci, até pelo facto de ter estudado em Alcobaça.
Transcrevo a página 7 do livro do Dr. Fleming: “De acordo com Fernando Zeferino, em meados de 1956, o Coral e Orquestra típica de Rio Maior visitou-nos e proporcionou-nos uma ótima audição no nosso Teatro, por iniciativa do saudoso alcobacense José Couto de Pinho, residente naquela vila. Couto de Pinho, entretanto, adoeceu e regressou a Alcobaça”. Pinho viveu em Rio Maior vários anos, onde tinha uma representação de máquinas de costura.
No dia 11 de novembro de 1956, diz Fleming de Oliveira, “sentaram- -se na última mesa do lado esquerdo de quem entra no Café Restaurante Trindade, além de Couto de Pinho, Manuel Tomás Correia, Fernando Zeferino, Pacheco rodrigues, Francisco André e António Gavino. O Café Trindade era, nessa época, uma casa famosa. Foi, nessa reunião - durou pouco mais de uma hora - que nasceu a Orquestra Típica de Alcobaça e “o maestro Gavino marcou para terça-feira o primeiro ensaio”, que teve lugar na sede do Rancho d’ O Alcoa, tendo levado consigo dois tocadores de violão, da Orquestra de Rio Maior”. Os ensaios aconteciam duas vezes por semana e “o maestro Gavino não recebia honorários e deslocava-se de Rio Maior onde vivia, utilizando a boleia ou mesmo camionetas de carga, para não sobrecarregar a coletividade e a sua própria bolsa”.
A Orquestra Típica de Alcobaça, com trinta elementos, ainda sem Coral, apresentou-se no Cineteatro local, a 1 de maio de 1957, tendo sido uma das vocalistas Maria de Lurdes Feliciano, de Rio Maior. António Gavino realizou o último espetáculo em Alcobaça, no dia 25 de março de 1961. Foi uma despedida emocionante.
Notas finais – Gavino já depois da entrevista ter terminado, disse- -me em “off” que não queria morrer sem levar a Orquestra riomaiorense a Alcobaça. Percebi que era muita a necessidade de se despedir de uma das terras onde tinha sido feliz.
Escrevi um artigo sobre o tema para o jornal “O Alcoa”. O diretor do mesmo, o meu colega, o Professor Mário Vazão, deu muito destaque ao mesmo. Ao Vereador da Câmara alcobacense, Rogério Raimundo, meu companheiro nos tempos do Liceu, pedi que levasse o assunto a sessão de Câmara. Assim aconteceu. O assunto não teve seguimento. Vim a saber “por portas e travessas” que essa atitude teria a ver com quezílias entre Gavino e um antigo dirigente da Orquestra de Alcobaça, na época, ainda vivo. A questão nunca foi resolvida e o convite não chegou. Gavino, não tenho dúvida, morreu com esse desgosto!
Por João Maurício
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