RIO MAIOR E SÁ CARNEIRO
Por João Maurício
A proximidade dos factos históricos não é boa conselheira para quem escreve sobre esses temas.
Caminhamos para meio século do que aconteceu no chamado “Verão Quente”. Começamos a ter espaço temporal para estudar esses acontecimentos com distanciamento e independência.
O trabalho dos Historiadores é muito complexo; eles devem ser isentos e interpretar e descrever os factos com mestria. As biografias são um valioso contributo para a interpretação da realidade histórica.
Nos últimos anos, têm aparecido algumas e interessantes biografias sobre Sá Carneiro, figura marcante da social-democracia portuguesa.
Chega-nos, agora, às mãos o livro “A Confidente de Sá Carneiro – As memórias políticas e sociais de Conceição Monteiro”, secretária do mítico líder do PSD. O autor é Paulo Aido, ex-vereador da Câmara Municipal de Odivelas.
Não sendo uma obra muito profunda, é um retrato fiel do grande político, feito por quem tão bem o conheceu.
O prefácio, bem interessante, é de Pedro Santana Lopes.
No capítulo IX, “O Sequestro da AR e o 25 de Novembro”, refere-se à passagem de Sá Carneiro por Rio Maior a 12 de Novembro de 1975.
«O Francisco e eu estávamos na Duque de Loulé, quando veio a notícia do sequestro. Sá Carneiro ficou possesso e foi então que decidiu fazer uma série de telefonemas para várias pessoas. Falou com o Dr. Mário Soares, com o Dr. Vasco da Gama Fernandes, que era então o Presidente da Assembleia da República, falou com Freitas do Amaral, entre outras. E foi durante essas conversas que se falou em dar o salto para o Norte, se fosse preciso, se eles impedissem o normal funcionamento da Assembleia.
A ideia era que a Assembleia da República reuniria onde estivessem os deputados, ou pelo menos, a maioria, que sabíamos ser do Norte. Nós metemo-nos logo no carro e fomos por aí adiante. Chegámos a Rio Maior e a estrada estava bloqueada. Disseram-nos: «Aqui não passa ninguém».
O Francisco saiu do carro e, quando eles viram quem era, desfizeram-se em desculpas.
Abriram logo a barricada e fomos para a sede do PSD, em Rio Maior. Dali, fomos para a sede de Leiria que tinha outras condições, mais telefones, e depois arrancámos para o Porto. Mas os outros é que não chegaram a partir para o Porto, porque, entretanto, foi tudo resolvido, cá em baixo, em Lisboa. Ficou resolvida a questão. Portugal esteve mesmo à beira da guerra civil, isso é um facto. E, se houvesse guerra civil, caso isso acontecesse, o PSD não estava preparado. De todo.»
Este livro de Conceição Monteiro tem um mérito: é um hino a Sá Carneiro, mas apresenta também as suas fragilidades e dúvidas. A obra possui rigor histórico e, sem dúvida, é um tributo a um homem com carisma, que teve um trajeto importante na vida política portuguesa, facto que foi reconhecido, mesmo por aqueles que foram seus adversários, como Mário Soares.
Para compreendermos a plenitude de qualquer figura que ficará na História, temos de procurar outras fontes. Embora o cinema tenha sempre algo de ficção, ver o filme “SNU” foi importante para aprofundar pistas não estudadas por Conceição Monteiro.
De referir que Rio Maior eternizou Sá Carneiro na memória coletiva local, ao atribuir, em 2012, o seu nome a uma rotunda e construindo um pequeno monumento.
Nota final - sobre estes conturbados tempos, lembro que o jornalista Miguel Carvalho publicou, em 2017, um interessante livro “Quando Portugal Ardeu”. No fundo, é a narrativa das histórias e segredos da violência política no “Pós-25 de Abril”. O autor teve o cuidado de se deslocar a Rio Maior onde ouviu pessoas que estiveram dos dois lados da “barricada”.
A serenidade e o distanciamento temporal vão trazer a independência para se construir, com verdade, a História desses tempos.
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