SER DO CONTRA!
Por João Maurício
“Ser do contra” durante o Estado Novo era uma espécie de “carimbo”. Em algumas comunidades mais conservadoras, havia mesmo algumas “pitadas” de ostracismo, perante essas poucas pessoas. Normalmente, essa franja política era constituída, nos concelhos mais pequenos, por membros das chamadas profissões liberais que tinham passado pelas universidades onde havia bastantes contestatários.
Na Benedita, nos finais dos anos cinquenta do século passado, eram muito poucos os que estavam nesse espaço político. Dois ou três. Talvez, por falta de fiscais, alguns situacionistas locais falsificaram os resultados eleitorais de Humberto Delgado.
Recordo com saudade o Chefe dos Correios dos C. T. T., Dinis Vieira, natural da Merceana (Alenquer). Disseram-me que já cá não está entre nós. Conhecia-o bem: era uma pessoa muito educada, calma, culta e inteligente. Tinha o sétimo ano dos liceus, o que correspondia a muitas licenciaturas atuais. Foi ele quem me preparou para realizar um exame no Liceu de Leiria.
Eu era um miúdo e, por isso, nunca me apercebi da sua atividade clandestina. Nem nunca lhe ouvi alguma palavra contra o governo da época. Por via postal recebia e distribuía o “Avante”. Foi denunciado por um informador da PIDE e expulso dos Correios. Dinis foi “apunhalado” por alguém que lhe era próximo e que ele tratava como amigo. Acabou por emigrar para o Canadá onde refez a sua vida. Dinis tinha cometido “um pecado” e pagou por isso.
A máquina anti-salazarista, por esse país fora, era frágil, mas ativa. Nela havia gente de todos os quadrantes político-sociais: comunistas, socialistas, social-democratas, centristas e dissidentes do regime. Mesmo dentro da igreja católica, foram mais do que se diz, os que mostraram o seu descontentamento, normalmente não apoiados pela hierarquia eclesiástica.
Uma Comissão Executiva não partidária, liderada por José Manuel Medeiros, antigo Governador Civil de Leiria, vai editar um livro “Memórias da Oposição Democrática – Círculo de Leiria - 1945/1974”.
No fundo, será a história dos opositores ao Antigo Regime, na área geográfica que vai de Peniche a Pombal, passando por concelhos do interior, como Figueiró dos Vinhos. Entre os nomes que estiveram nessa luta, destaco, ao acaso, o escultor José Aurélio, os advogados Basílio Martins, Guarda Ribeiro e Alberto Costa (mais tarde Ministro da Justiça), o industrial Henrique Neto, Vasco da Gama Fernandes (que foi Presidente da Assembleia da República) e vários membros da família Maldonado Freitas (Caldas da Rainha). Seria bom que Santarém seguisse o exemplo de Leiria.
Correndo o risco de omitirmos algum nome, lembramos, na figura de Alberto dos Santos Goucha, todos os que levantaram a voz contra um regime retrógrado. Foi o próprio que me disse, um dia, que foram tempos muito difíceis. De facto, não era fácil, “ser do contra” no tempo da Ditadura. A
publicação referida anteriormente, será um importante contributo para que a memória não se perca.
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